Nesta entrevista, ele explica por que os profissionais de comunicação precisam entender e dominar conceitos como digital workforces, prompting e A.I. Agents, fala sobre o impacto da I.A. na retenção de talentos e na cultura das empresas e alerta sobre os desafios éticos da revolução tecnológica.
Herman, qual é a discussão mais importante em curso hoje no mundo quando se fala em tecnologia, à qual os profissionais de comunicação devem estar atentos, e por quê?
Bessler – Creio que a primeira discussão para os profissionais é a da construção das “digital workforces”. Ou seja, exércitos de agentes de I.A., cada um especializado em uma tarefa, completando processos inteiros e acessando bases de conhecimento das empresas e profissionais com autonomia. Devemos também atentar à discussão mais relevante, ou seja, sobre o papel e os limites da Inteligência Artificial no mundo contemporâneo. Temos visto avanços que possibilitam automações e criações de conteúdo em uma velocidade inédita, mas isso levanta questões éticas importantes, como uso de dados, transparência e possíveis vieses algorítmicos. Para profissionais de comunicação, é crucial entender até onde essas ferramentas podem efetivamente auxiliar na criação e na estratégia, e onde é preciso ter uma forte governança e um olhar humano cuidadoso. O “porquê” é simples: se falharmos em entender e gerenciar corretamente essas tecnologias, a reputação das marcas e a confiança do público podem ser prejudicadas de forma irreversível.
Quando se fala em Inteligência Artificial, que conselho você daria para profissionais de agências de publicidade, considerando que ela deve transformar o marketing profundamente no futuro?
Bessler – Meu conselho é praticar os pilares de prompting (comandos inteligentes), criação de agentes (I.A. autônoma), RAGs e workflows, mas sem perder de vista a criatividade e a sensibilidade humanas. Em vez de temer a automação, os profissionais devem se capacitar para usar a I.A. de maneira estratégica, identificando oportunidades de personalização, análise de dados e otimização de processos. Isso também implica desenvolver novas habilidades, como interpretação de dados e gerenciamento de ferramentas de machine learning, sem abrir mão do senso crítico. As agências que conseguem equilibrar tecnologia e criatividade tendem a operar a partir de uma assimetria de produtividade em relação aos concorrentes.
Como o Templo vem ajudando agências nesta jornada de transformações aceleradas no modus operandi a partir da evolução da I.A.?
Bessler – O Templo atua como escola para os futuros do trabalho com I.A., auxiliando agências e times de marketing na adoção de ferramentas e metodologias que potenciam o uso da Inteligência Artificial nas rotinas de trabalho, seja com jornadas e cursos ao vivo, gravados ou completamente feitos por I.A., seja por meio de mentorias estratégicas, ou da nossa plataforma de Upskilling I.A. (o Classplay). O objetivo é desmistificar o uso da tecnologia e torná-la parte integrante do dia a dia. Além disso, fomentamos o compartilhamento de práticas e cases de sucesso, criando uma rede de aprendizado contínuo que acelera a curva de adoção tecnológica de cada agência.
Como funciona o projeto da plataforma do Templo voltado a treinamento/cursos para o mercado de publicidade/marketing?
Bessler – O Classplay do Templo para treinamento e adoção de I.A. foi concebido de modo a ser altamente modular e prático. Oferecemos cursos de curta e média duração, que vão desde fundamentos da tecnologia aplicados à publicidade até tópicos mais avançados, como criação de campanhas hiperpersonalizadas, mas também bibliotecas de prompts, curadoria de ferramentas, equipes de A.I. Agents prontos, listagem de casos de uso, centenas de tutoriais curtos em vídeo. Assim, o Classplay vem acelerando a adoção de I.A. em várias agências e times de marketing de grande porte no Brasil. Além disso, os participantes têm acesso a fóruns de discussão e eventos online, para que possam trocar experiências e tirar dúvidas específicas sobre seus contextos de trabalho.
Como você enxerga o papel da aprendizagem contínua no setor de marketing e comunicação?
Bessler – Dizendo o óbvio, a aprendizagem contínua é simplesmente crucial para a sobrevivência e a evolução profissional no marketing e na comunicação. Em um ambiente onde o consumidor muda de comportamento cada vez mais rápido – e onde as tecnologias se transformam em uma velocidade sem precedentes –, não há espaço para a estagnação. As estratégias de ontem podem não funcionar mais amanhã. Mais profundamente, aprendizagem é um processo voluntário, ninguém aprende contra a própria vontade. É importante que as organizações criem incentivos de motivação intrínseca e utilizem métodos práticos e baseados em desafios para gerar o engajamento das pessoas em torno de programas de capacitação e comunidades de aprendizagem.
Como você define o momento atual em oportunidades para as agências de publicidade em relação às outras tendências e épocas vividas?
Bessler – Vivemos um momento de ruptura (fica a ref. de Severance) e, simultaneamente, de enorme oportunidade. Em outras épocas, o marketing era essencialmente voltado a canais tradicionais; hoje as agências podem explorar formatos digitais, experiências imersivas, big data e principalmente a I.A. para entender e conversar com públicos específicos e milhares de segmentações personalizadas em real time. A convergência de tantos recursos tecnológicos cria infinitas possibilidades de segmentação, réguas com interação e criação de narrativas. Mas isso também exige reinvenção constante. Falando em consequências de segunda ordem, toda a economia dos Word Dollars das plataformas sociais e do Google em anúncios tende a se pulverizar, uma vez que a internet fica povoada por agentes de I.A. capazes de pesquisar e realizar compras, mudando a dinâmica de consumo de um leilão de termos e assuntos para uma de leilão reverso pelo lead e A.I. engine optimization em vez de SEO. Essa é uma imensa avenida de crescimento para agências que conseguirem capturar a vantagem dos pioneiros.
O que separa as empresas que usam Inteligência Artificial como um diferencial estratégico daquelas que apenas “seguem a tendência”?
Bessler – No sentido tecnológico, aquelas que avançaram na integração de I.A. generativa no core dos seus serviços, com fluxos de agentes e bases de conhecimento semânticas, daquelas que estão implementando ferramentas prontas de mercado para ganhos de produtividade. No lado humano (que é o mais importante), a diferença está no engajamento profundo com a tecnologia e na forma como a cultura interna é orientada. As empresas que realmente fazem da I.A. um diferencial estratégico costumam ter:
- Liderança comprometida: executivos que entendem o potencial e estabelecem metas claras de adoção
- Estrutura de dados robusta: sem dados de qualidade, a I.A. não funciona adequadamente
- Equipes treinadas: o capital humano preparado para entender e extrair valor das soluções de I.A.
- Foco em resultados e inovação: buscam novas aplicações constantemente, não se limitando ao que o mercado “diz ser tendência
Já aquelas que apenas seguem a moda investem em ferramentas superficiais sem a devida integração e mudança de mentalidade, resultando em projetos com pouco ou nenhum impacto real.
Como estudioso do futuro do trabalho, como vê hoje o modelo híbrido e frequentemente ainda 100% remoto das empresas? Como enxerga o desejo do retorno ao presencial que temos visto e eventuais questões de retenção de talentos que isso traz?
Bessler – O modelo híbrido – e até o 100% remoto – veio para ficar, ainda que não seja uma solução única para todas as organizações. A flexibilidade tornou-se uma demanda essencial, especialmente para profissionais mais jovens que valorizam qualidade de vida e autonomia, em especial os talentos digitais. Por outro lado, modelos remotos (ou híbridos remote-first) requerem um tipo de gestão baseado em comunicação assíncrona, gestão de resultados e entregas em vez de horas, e uma dinâmica de backlogs ágeis em vez de waterfall. Essa mudança de cultura de gestão é complexa e difícil, por isso muitas empresas deram um passo atrás na volta ao presencial. Contudo, acredito que as organizações que dominam essas práticas tendem a performar de modo significativamente superior.
Olhando para o futuro do trabalho, como você acredita que as marcas devem se posicionar para atrair e reter talentos (especialmente das gerações Z e Alpha) em um ambiente cada vez mais impactado pelas possibilidades da Inteligência Artificial?
Bessler – As gerações Z e Alpha buscam propósito, diversidade, inclusão e desenvolvimento contínuo, mas também ambientes acolhedores, boa remuneração e equilíbrio de volume de trabalho. Não é tão distinto do que buscam os talentos de todas as gerações neste sentido. O que muda é a percepção de que tudo isso é possível desde o início da carreira. Em um cenário marcado pelo uso intensivo de I.A., as marcas que se destacam são aquelas que:
- Investem em capacitação e mostram caminhos de carreira claros
- Oferecem projetos e desafios que possibilitem crescimento rápido, impulsionados por tecnologias avançadas e práticas de intraempreendedorismo
- Possuem valores éticos e de sustentabilidade verdadeiros, não apenas discursos de marketing
- Incentivam a inovação aberta, permitindo que profissionais tragam ideias e contribuam efetivamente para a evolução do negócio
- Praticam uma gestão baseada em resultados (e não em horas) e numa comunicação assíncrona com backlogs ágeis
- Tomam partido em causas fundamentais como I.A., mudanças climáticas e desigualdades sociais.
Para essas gerações, não basta ter uma marca famosa, é preciso ter uma cultura autêntica, capaz de gerar impacto positivo na sociedade e no planeta.
Como você enxerga o papel das empresas na construção de uma narrativa ética e responsável sobre o uso de I.A.?
Bessler – Eu espero que as empresas provavelmente priorizem o lucro dos acionistas, na média, acima da construção de uma I.A. boa para todos. Por isso a regulação é tão importante. Ao mesmo tempo vejo as organizações como laboratórios de experimentação e guardiãs de uma aplicação segura e benéfica da I.A. possível. Isso significa criar políticas de governança claras, que assegurem transparência no uso de dados e orientem o desenvolvimento de algoritmos livres de vieses. Significa também promover a educação de colaboradores, clientes e parceiros a respeito das capacidades e limitações da I.A., bem como definir padrões de prestação de contas quando ocorrem erros ou falhas sistêmicas. Além disso, as empresas devem assumir um compromisso público com princípios éticos não apenas como estratégia de imagem, mas como parte integral do DNA organizacional. Dessa forma, a narrativa construída não é uma peça de propaganda, mas um reflexo genuíno de uma postura responsável diante das novas possibilidades tecnológicas.